Éramos cinco. Eu, o Nelson, o Maycon, o Marcelo e o João. Todos tínhamos sonhos que nos transportavam a um mesmo destino: Estudarmos na UFBA (Universidade Federal da Bahia).
Fazíamos planos. Traçávamos as regras do nosso apartamento. O João me falava: “Nada de calcinha pendurada no banheiro”. Eu tinha ciúme de todos, não queria ver nenhuma garota tomando o meu espaço ali. Queria tê-los a todo o momento sem que ninguém roubasse suas atenções.
Imaginávamos as saídas, as pessoas legais que iríamos conhecer. A oportunidade de viver mais um lado cultural de nosso estado, já que em Feira de Santana não se tem tantas apresentações legais para nos deliciarmos.
Os shows undergrounds! Nossa! Nós nos acabaríamos nos shows de rock todo final de semana. Passearíamos pelo centro histórico. E principalmente filosofaríamos sobra a vida....Ahh...não tinha diálogos melhores do que com pessoas tão providas de conhecimento como o meu grupinho favorito.
O João adorava cinema. Sabia tudo sobre filmes, queria ser um Glauber Rocha da vida. E criatividade de sobra ele tinha para ser. O Nelson se amarrava em futebol, mas também sabia escrever muito bem, desejava ser jornalista. Não posso deixar de falar que ele tinha um acervo fantástico de mp3s de bandas que só hoje comecei a ouvir, mas ele já estava muito a minha frente. Quadrinhos era o fanatismo do Marcelo, o que você perguntasse sobre o assunto ele saberia conversar. Maycon também gostava de escrever, queria ser jornalista. E eu, nossa, eu sempre fui um peixe fora d’água.
Sempre ficava em dúvida sobre tudo. Quando era mais nova, eu adorava ir a uma livraria que existe no shopping. Lá tinha um livro sobre doenças de
pele. Nossa...eu amava ver as fotos. Era cada ferida, podridão na pele das pessoas. Algo que a gente nunca imagina que exista, porque sempre vivemos alienados, vendo o mundo através da televisão com pessoas perfeitas, formas esculturais, e esquecemos o lado “podre” e frágil da humanidade. Enfim, eu ficava horas ali degustando aquelas imagens, enquanto os garotos procuravam livros de RPG, jogos que eu particularmente nunca fui fã, achava apenas engraçado.
Então, estava decidida a fazer medicina. Gostava
das doenças, não tinha medo de sangue. Tinha tudo para ser uma dermatologista e tanto. Só que a gente vai adquirindo conhecimento. Nossos valores mudam com o tempo. E eu também mudei a minha percepção sobre vida, destino, estudo, futuro. Decidi que aquilo realmente não era o que eu queria. Até porque estava cada vez mais envolvida no lado musical. Queria fazer algo que não me atirasse de um lado totalmente oposto ao da música. Estudando m
edicina, como eu iria ficar perto dos shows? Dos músicos? Não, eu achei que iria me tornar mais um ser que cuida do ser, mas não o percebe. Não definitivamente, não queria ser médica.
Eu também me subestimava. Achava que jamais conseguiria passar no vestibular, afinal, medicina só passam os “crânios” e eu era apenas...dãã...eu! Sempre fui péssima em exatas, e passar em medicina exigiria grande conhecimento em física, química, em matemática, e nada disso me orgulhava. Precisava mudar de opção urgente. Certo dia, olhando os cursos da UFBA, avistei um nome em destaque: “Produção Cultural”. Nossa...produzir cultura. É isso que eu preciso. Música também é cultura. E
ntão vou me engajar na produção de eventos. É isso, eu
gosto da área, há optativas maravilhosas para pegar! Achei o meu curso.
Esse foi o meu pensamento até o 3° ano. Mas tinha um outro curso que vinha me atentando. Era psicologia. Eu adoraria entender um pouco mais sobre a mente humana. Estudar filosofia. Compreender o ser. Ajudá-lo.
Poderia fazer
vários trabalhos sociais de ajuda a mulher. Aiiii que dúvida. Mas novamente psicologia também remetia a uma grande concorrência. Mais uma vez eu me subestimava, achava que não iria conseguir. Eu nunca fui CDF da sal
a, raros são os dez da minha vida. E eu infelizmente me julgava assim. Por notas que não dizem nada sobre ninguém. Mas eu
tomei um outro destino porque não era inteligente, em minha concepção, os CDFS nota 10 é que eram.
Prestei o vestibular para produção cultural. Convicta de que iria passar. Tinha feito uma ótima prova. Tudo estava ao nosso favor, lembrando que todo o meu gr
upo também estava confiante de que iríamos passar. A prova tinha sido uma delicia de fácil. Nós tínhamos estudado muito. Era o nosso destino, se não fosse pela decepção do resultado. SIM! Ninguém passou! Fiquei em 40° lugar, eram 40 vagas, mas 50% eram para cotistas, eu tinha que ficar entre os 20 primeiros para passar...Chorei tanto, tanto. Se eu pensava que não era inteligente, depois disso então, eu tinha comprovado a minha burrice. Não queria mais estudar. Fiq
uei um bom tempo querendo me matar pra falar sério.
Mudar-me para Salvador seria a solução de todos os meus problemas. Eu sairia de casa, estaria estudando o que gostava, ficaria perto de meus amigos. Mas todos os meus sonhos foram embora junto com o resultado negativo. Até recuperar-me demorou muito mesmo. Eu estava muit
o mal. Desanimada. No entanto, todos decidiram lutar novamente, eu não queria ficar atrás. Precisava mudar de ares.
Matriculei-me num cursinho. Recomecei todos os estudos. Matemática, física, química, ô que chato revê-las!
No meio do ano surgiu uma nova universidade. A do Recôncavo da Bahia. Fiquei interessada porque era uma instituição federal, e claro, seria um teste para a UFBA. Inscrevi-me para comunicação. Única
matéria de humanas. Meu amigo João também. Não sabíamos a habilitação do curso. Mas não estávamos nem ai, seria mais um teste. Chegou o dia. Não tinha ido muito bem
achou que estava horrível. Ele foi assim mesmo, sincero pra caramba, mas eu gostava dessa sua característica.
O resultado saiu. Eu estava lá! Tinha passado! Fiquei tão feliz! João também tinha passado. Decidimos nos matricular. Poderíamos cursar para ver se gostávamos, afinal, a vaga já estava garantida.
Foi a primeira vez que fui a Cachoeira, já era tarde. A aula inaugural estava marcada para o final da tarde. Eu e João fomos. Era dia de Festa da Boa Morte. Vimos a cidade cheia de turistas e as casinhas pequenas e coloridas encantavam os nossos olhos. Achei de uma beleza incrível a cidade. É difícil não gostar de Cachoeira logo a primeira vista. Eu e João ficamos muitos felizes. Estudaríamos e viveríamos ali por um bom tempo.
Logo a
direção que o curso tomaria foi definida. Seria Jornalismo. Eu não gostei muito da idéia. Tudo bem que eu escrevia meus diários e tal, mas nunca pensei
o já tinha dito, me subestimava muito. Achava que não conseguiria. Não gostava de escrever assim. Pronto, já estava com o preconceito formado antes de começar o curso.
As aulas começaram, e tudo era muit
o focado na questão cultural. Gostei do rumo que a Universidade tomava, apesar do Campus parecer nunca ficar pronto. Hoje, estou no 6° semestre, e até hoje espero estudar no Quarteirão Leite Alves, lugar onde fica o nosso espaço físico para estudo. Enquanto isso, não sei onde irei estudar, pois as aulas ainda não começaram, e o lugar que estávamos alugando, o
anexo do Colégio Estadual, já não quer renovar contrato, pelo menos foi o que fiquei sabendo.
Do curso em diante, comecei a tomar gosto pelas palavras. Comecei a ler mais, escrever mais. E hoje não troco minha profissão por nada nesse mundo. Ser jornalista é algo fantástico. É deixar um rastro na história. Ajudar a esclarecer fatos. Fiscalizar o que o nosso governo tem feito. Dar voz a sociedade e ao mundo. É se expressar. É pensar, refletir, raciocinar. É ser um humano em produção mental. Como diria o Sandro Miranda, um jovem estudante como eu:
“Ser Jornalista é saber persuadir, seduzir. É hipnotizar informando e informar hipnotizando. É não ter medo de nada nem de ninguém. É aventurar-se no desconhecido, sem saber direito que caminho irá te levar. É desafiar o destino, zombar dos paradigmas e questionar os dogmas incontestáveis. É confiar desconfiando, é ter um pé sempre atrás e a pulga atrás da orelha. É abrir caminho sem pedir permissão. É desbravar mares nunca antes navegado. É nunca esmorecer diante do primeiro não. Nem do segundo, nem do terceiro... nem de nenhum. É saber a hora certa de abrir a boca, e também a hora de ficar calado. É ter o dom da palavra e o dom do silêncio. É procurar onde ninguém pensou,
é pensar no que ninguém procurou.
É transformar uma simples caneta em uma arma mortífera. Ser jornalista não é desconhecer o perigo; é fazer dele um componente a mais para alcançar o objetivo. É estar no Quarto Poder, sabendo que ele é mais importante do que todos os outros três juntos. Ser jornalista é enfrentar reis, papas, presidentes, líderes, guerrilheiros, terroristas, e até outros jornalistas. É não baixar a cabeça pra cara feia, dedo em riste, ameaça de morte. Aliás, ignorar a morte é a primeira coisa que um jornalista tem que fazer. É um risco iminente, que pode surgir em infinitas situações. É o despertar do ódio e da compaixão. É incendiar uma sociedade inteira, um planeta inteiro. Jornalismo é profissão perigo. É coisa de doido, de maluco beleza. É olhar para a linha tênue entre o bom senso e a loucura e ultrapassar os limites sem pestanejar. É saber que entre
um furo e outro de reportagem fará um monte de besteiras no caminho. Quanto mais chato melhor o jornalista.
Ser jornalista é ser meio metido a besta mesmo. É ignorar solenemente todo e qualquer escrúpulo. É desnudar-se de pudores. Ética? Sempre, desde que não atrapalhe. A única coisa realmente importante é manter a dignidade. É ser petulante, é ser agressivo. É fazer das tripas coração pra conseguir uma mísera declaraçãozinha. É a
purar, pesquisar, confrontar, cruzar dados. É perseguir as respostas implacavelmente. É lidar com pressão, pressão de todos os lados. É saber que o inimigo de hoje pode ser o aliado de amanhã. E a recíproca é verdadeira. É deixar sentimentos de lado, botar o cérebro na frente do coração. É ser frio, calculista e de preferência kamikaze. É matar um leão por dia, e ainda sair ileso. É ter o sexto sentido mais apurado do que
os outros sentidos, e saber que é ele quem vai te tirar das enrascadas.
Ser jornalista é ser meio ator, meio médico, meio advogado, meio atleta, meio tudo. É até meio jornaleiro, às vezes. Mas, acima de tudo, é orgulhar-se da profissão e saber que, de uma forma ou de outra, todo mundo também gostaria de ser um pouquinho jornalista. “.