Quando o trabalho intelectual é proposto pelo sexo feminino à imprensa, a grande maioria sensacionalista dos repórteres insiste em relacionar produção e beleza.
É o que está acontecendo com a escritora argentina Pola Oloixarac. Não conheço seu trabalho, nem tão pouco li suas obras, mas ela tem ganhado destaque em vários meios de comunicação no país por ser bela e ... por fim, inteligente.
Será que não dá para realizar um trabalho crítico direcionado para a atividade a qual a escritora exerce? As matérias são recheadas de assuntos pobres, não dá para saber o que de fato Pola faz em seus escritos.
No último texto que li, observe a barbaridade da reportagem: Aproveitando a deixa, o repórter pergunta à Pola sobre o novo maiô de estampa de oncinha do estilista Marc Jacobs que ela, assumidamente apaixonada por moda, declarou a uma publicação brasileira estar ansiosa para usar em Paraty.
Pola respondeu grosseiramente e com razão né?
"Claro, porque é a única coisa em que uma escritora pode pensar. Quero ir ao Brasil para ficar de biquíni todo dia, dar entrevistas de biquíni, dar palestras de biquíni. Vim para isso, era absolutamente a ideia." E arremata: "Nunca tive um biquíni. Nem de oncinha, nem Marc Jabobs. Não é verdade, eu sinto muito. Acho que vão cancelar minha participação na Flip agora que sabem que não trouxe um biquíni. Por isso não queria fazê-lo até o último momento."
Não há como não ser colocar no lugar da escritora e refletir sobre a questão da mulher na sociedade. Muitas pessoas falam que o feminismo hoje é decadente, não há necessidade de existir porque já se conquistou tudo aquilo que se pretendia, será?

No livro “O retrato de Dorian Gray”, de Oscar Wilde, o personagem Lorde Henry diz que a beleza verdadeira termina onde inicia a expressão intelectual. Segundo ele, o intelecto é, por si só, um modo de exagero, destrói a harmonia de qualquer rosto.
Infelizmente, discordo desta afirmação. Reconheço a beleza de Pola mas acredito que o conteúdo do seu livro seja mais importante para os leitores do que sua beleza, já que podem observá-la nas imagens do site, não é necessário comentários sobre isso.
Não estou criticando a moda, a beleza e tudo mais que é selecionado pelo público para discussão, também não estou menosprezando, mas comparando ao trabalho masculino, porque ninguém comenta então a aparência dos homens na Flip?
Não é necessário, eles são vistos como intelectuais e isto basta. E por que existe esse tratamento com as mulheres? Mesmo quando descrevem a obra de Pola, a beleza tem que ser incluída na matéria em primeiro lugar.
A participação de escritoras no evento (Flip) já é mínima e quando se tem, o que ganha destaca não são seus trabalhos, mas o que vestem ou deixam de vestir, não dá para deixar isto para as editorias exclusivas de moda não?
Em uma reportagem da revista Marie Claire, a escritora comentou que foi alvo de insultos pela mídia quando disseram que seu livro fez sucesso porque transou com jornalistas para receber elogios.
Então, sendo mulher nada é de fato potencialmente intelectual, tudo existe por alguma chantagem, acordo, transa, beleza ou sei lá mais o quê.
É notável que o movimento feminista tem ampliado suas ações no país, principalmente com a Marcha das Vadias, mas isto não é o bastante, ainda temos que refletir bastante sobre as questões, principalmente as que tem um toque sutil ou que são vistas como “normais” pelo público.
* Obs: A Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) já terminou, esse texto era para ser postado no último dia do evento, mas acabei escrevendo sobre outros assuntos. Mas, o objetivo é criticar mesmo a imprensa brasileira em relação as matérias sobre escritoras.