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Tuesday, August 23, 2011

A contadora de histórias que não sabia ler


Toda vez que caminhava pela rua, observava os cartazes colados nas estruturas de prédios e paredes de casas. Alguns anunciavam promoções e cursos, outros divulgavam ofertas de emprego. Por mais que tivessem imagens e desenhos, nada podia informar Juliane do que se tratava.

Não era má vontade, a garota só não sabia ler. Escrevia o próprio nome porque fora obrigada a aprender, afinal tinha que fazer a identidade e assinar os comprovantes de salários recebidos no final do mês.

Trabalhava numa casa de família, grande, bem estruturada. Sozinha dava conta da limpeza de quatro quartos, cozinha, sala de jantar, quatro banheiros e mais um amplo jardim decorado com girassóis, margaridas e orquídeas.

Começou o trabalho aos 13 anos. Precisava ajudar nas despesas da família e não podia ficar parada. Abandonou os estudos, não chegou à alfabetização. Reconhecia um “a”, de vez em quando um “b”, mas nada que formasse frases.  Sabia escrever o próprio nome porque tinha decorado. Pergunte a ela quais letras compõem a palavra Juliane e ela jamais responderia.

A vida não era fácil. Todos sabiam de tudo, menos ela. Olhava as crianças com livros nas mãos encantadas com o mundo, outro universo que certamente não fazia parte do seu. Ás vezes até perdia o horário da faxina imaginando o que estava escrito ali.  Era curiosa, boa menina, mas não entendia o enigma das letras.

Os patrões sabiam da ignorância da moça. Incentivaram-na a retomar os estudos, mas Juliane se achava velha demais para freqüentar sala de aula.

A filha mais velha do casal chamada Rosa, preocupada com a situação decidiu chamar a jovem de 28 anos para conversar. As duas eram muito amigas apesar da mãe não gostar muito da aproximação. Tentou convencer-lhe a parar duas horas por dias para estudar. Ela mesma lhe ensinaria o alfabeto.

 Juliane ficou acanhada, sabia do arquétipo da patroa e não quis aceitar. Já fazia tanto tempo que não decifrava a escrita, não faria mal morrer daquele jeito, afinal já se acostumara.

Enquanto limpava a biblioteca, abriu um dos livros e tentou reconhecer algo. Eram apenas letras que não lhe significavam nada. Folheou algumas páginas e só conseguiu reconhecer o “a”, mas eram tantos que pensou que fosse uma manifestação de “as” sobre alguma coisa.

Rosa se aproximou do local e percebeu o olhar triste de Juliane com o livro. Entendia o quanto era triste uma pessoa não saber ler e não compreendia a vida de alguém nesse estado. Queria ajudar, tinha que ajudar, mas a própria empregada se recusava.  Tinha que bolar um plano.

Nos dias seguintes, começou a ler em volta alta as histórias dos livros. Enquanto Juliane varria o quarto, Rosa declamava poesias, citava frases e até mesmo cantava versos de músicas eruditas. Começou a perseguir a jovem empregada com aquele desejo de leitura e nada poderia contê-la.

Juliane continuava o trabalho, mas atenta a tudo o que ouvia. Tinha uma boa memória e decorava tudo. Quando chegava em casa após finalizar as atividades repetia as rimas, os versos e acabou ganhando a atenção dos familiares.

Nas rodas de amigos era a primeira a falar. Ás vezes as pessoas não entendiam muito bem o que ela queria dizer, mas ela mesma não entendia muita coisa, apenas achava bonito os versos de Camões e não parava de dizer “Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente;É dor que desatina sem doer...”.

Logo adquiriu fama de inteligente. Na comunidade pobre do bairro onde morava as pessoas sempre se reuniam aos finais de semana, e Juliane unia todos para que escutassem o que aprendeu durante o dia.

Ficou tão reconhecida que os boatos da jovem empregada intelectual logo chegaram aos ouvidos dos jornalistas. Choveram entrevistas, o rosto de Juliane estava na capa de todos os jornais.

Quem passou pelas bancas e viu a imagem de uma negra, no formato quase 3x4 achou logo que era alguma tragédia, roubo, assassinato ou qualquer notícia de aspecto ruim.  Afinal, as informações principais são sempre tragédias! Por que algo bom amanheceria no topo das notícias?

Assim foi o dia em que a cidade parou e conheceu a história da jovem Juliane que continuou sem saber ler, mas reconhecida pelas histórias  fascinantes dos clássicos da literatura que sabia contar.

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